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Dois projetos da UFBA foram selecionados por um edital da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que investirá em pesquisas sobre o impacto do derramamento de óleo no litoral do Nordeste, que contaminou mais de mil praias de todos os estados da região, além de manguezais e rios, entre agosto e dezembro de 2019. O programa Capes Entre Mares analisou 278 propostas enviadas por instituições de todo o país, e apenas 12 foram escolhidas.
As ações selecionadas são coordenadas pelas professoras Rita de Cássia Franco Rêgo, do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT), da Faculdade de Medicina da Bahia, e Catherine Prost, do Programa de Pós-graduação em Geografia, do Instituto de Geociências. As duas pesquisas, cada uma em sua área, buscarão atenuar os malefícios causados pela mancha tóxica na Bahia, nono e último estado da região Nordeste a registrar a presença do óleo, que poluiu 215 localidades.
Enquanto a médica Rita de Cássia costuma trabalhar com epidemiologia ambiental, fatores de risco ambiental e ocupacional, exposição a produtos químicos e efeitos na saúde humana, além de trabalho, ambiente e saúde de comunidades tradicionais; a geógrafa Catherine Prost pesquisa principalmente temas referentes à pesca artesanal, manejo de recursos naturais, impactos ambientais, organização social, reserva extrativista, populações tradicionais.
“Todo projeto é um desafio em si, mas, neste caso, o maior é a gravidade e ineditismo da crise do óleo na costa – e não só nas praias”, afirma Prost, que irá analisar os impactos socioeconômicos do derramamento de óleo em comunidades pesqueiras do sul da Bahia, para propor à população local estratégias de superação da tragédia. “A metodologia de pesquisa contemplará a construção de uma matriz de avaliação de impactos e instrumentos de monitoramento visando a contribuir para estratégias de resiliência”, reflete a geógrafa, que trabalhará junto com a equipe do grupo de pesquisa Costeiros – que, sob sua liderança, realiza estudos sobre pesca artesanal, com enfoque em unidades de conservação, há 15 anos. “A equipe do projeto adere a um tipo de pesquisa que busca, além do acadêmico, um impacto social e político, no sentido de conquistar e reforçar a cidadania”, declara.
Já o projeto assinado pela médica Rita de Cássia é o único da área de saúde aprovado no edital da Capes e irá avaliar os impactos do derramamento do óleo na costa da Bahia, com ações de saúde e proteção ambiental. Ela irá trabalhar ao lado de uma equipe de 37 pesquisadores das Universidades Federais da Paraíba, Rio de Janeiro, Recôncavo da Bahia, Rural de Pernambuco, Universidade Católica de Salvador e Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA) e de Barcelona (Espanha), do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, além da própria UFBA, entre eles do Instituto de Biologia, Geociências, Engenharia Química, Departamento de Estatística (Instituto de Matemática) e Escola de Nutrição. A coordenação do projeto será compartilhada com outros dois pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT): Marco Antônio Vasconcelos Rêgo e Mônica Angelim Gomes de Lima.
O trabalho terá a colaboração da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, da Comissão Pastoral da Pesca e de comunidades pesqueira. O grupo irá estudar a relação entre saúde, ambiente e trabalho, com abordagens nas áreas de epidemiologia e saúde ambiental. A investigação será feita em parceria com as comunidades afetadas, acompanhando e atendendo, dentro do possível, à população exposta ao óleo. “Importa saber como o derramamento de óleo produz sentidos às pescadoras e pescadores artesanais e suas famílias, quanto às identidades de vida e de trabalho. Essa população apresenta alta vulnerabilidade social, é dependente das relações estabelecidas no território e recorrem exclusivamente ao SUS para responderem às suas necessidades em saúde”, declara Rita de Cássia.
Da UFBA, agregaram-se pesquisadores do Instituto de Biologia, Geociências, Engenharia Química, Departamento de Estatística (Instituto de Matemática), Escola de Nutrição, além de outras universidades: Federal da Paraíba, Federal do Recôncavo Baiano, Federal Rural de Pernambuco, Católica de Salvador, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), University of North Carolina at Chapel Hill (EUA), Universidade de Barcelona (Espanha).
O projeto liderado pelo PPGSAT terá duração de 24 meses. “Mas precisamos monitorar os impactos deste derramamento de óleo por pelo menos 10 anos. Portanto, outros recursos precisam ser destinados para esta finalidade. Trabalharemos com problemas complexos e na perspectiva interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo atores diversos e tendo a parceria das comunidades pesqueiras em todas as etapas do processo”, destaca Rita de Cássia.
O edital tem orçamento global de R$ 1,36 milhão, e cada projeto aprovado receberá o valor máximo de R$ 100 mil reais para despesas de custeio, além uma bolsa de mestrado, a ser implementada até junho de 2020. Em 16 de janeiro, a Capes publicou o resultado preliminar, e o resultado final será publicado após o julgamento dos recursos. Conheça abaixo um pouco mais sobre os projetos aprovados.
Análise de impactos e estratégias de resiliência em Canavieiras
“O desafio é contribuir com a resiliência das comunidades pesqueiras em um contexto de desastre já presente há meses”, explica a geógrafa Catherine Prost. Ela diz que o principal foco de trabalho será na reserva extrativista marinha de Canavieiras, porém, haverá outras frentes de trabalho, buscando a multiplicação de formações em monitoramento pesqueiro dentro da pesca artesanal baiana.
Para atender a esses objetivos, há a previsão de parceria com o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil e com a Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (Confrem). Atividades de formação na comunidade pesqueira e quilombola de Graciosa, ao sul de Valença, no Baixo-Sul, que será o agente multiplicador inicial, estão previstas. “Essas medidas buscarão auxiliar a tomada de medidas de prevenção e a mitigação de impactos ambientais”, observa a pesquisadora.
Catherine destaca o importante papel que os pescadores realizaram no litoral nordestino, impedindo que frações do óleo chegassem à costa. E cita a ação de um grupo que “pescou” óleo boiando em alto mar, com o uso de redes apreendidas pelo ICMBio em ações de fiscalização ambiental. “Recolheram 80 kg de óleo, mostrando outro tipo de ação mais eficiente para evitar maiores danos ambientais, quando o óleo atinge a costa”, reflete.
A pesquisadora ressalta que numerosas comunidades pesqueiras dependem do bom estado de outros ecossistemas além das praias, tais como os manguezais, pelo seu alto grau de produtividade biológica. “Quando o óleo atinge o manguezal, sua retirada é impossibilitada. Friso a escala do ecossistema, pois o manguezal cresce em substrato lamoso (retendo sedimentos de cursos d’água). O óleo afunda e removê-lo implicaria revolver a lama, que abriga uma importante fauna bentônica”, explica.
“Como geógrafa, observaria que os ônus do desastre não atingem a todos da mesma forma no espaço geográfico. Os pescadores artesanais, tendo um uso do território como abrigo, são duramente atingidos em seu modo de vida. Enquanto isso, ainda não se tem nenhuma notícia sobre a origem do desastre e sua possível amplitude”, lamenta Prost.
Saúde e impactos ambientais na Bahia
Durante entrevista à rádio Band News, Rita de Cássia Franco Rêgo, do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT), falou sobre o projeto aprovado: avaliação dos impactos do derramamento do óleo na costa da Bahia: ações de saúde e proteção ambiental. O projeto buscará entender como o derramamento de óleo bruto impacta o saúde das comunidades afetadas, por meio da pesquisa participativa de base comunitária, ou seja, integrando a população ao estudo.
A professora destaca a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) ao atendimento à população – de forma geral, já que atende mais de 100 milhões de pessoas no país, e de modo pontual frente à crise do óleo. O banco de dados realizado pelo SUS se cruzará com outros bancos de dados, a exemplo do que foi montado pela Bahia Pesca e pelas comunidades pesqueiras, aliando assim saúde e ambiente, de modo a entender e desenvolver tecnologias de enfrentamento à crise do óleo. “O estudo atende às necessidades urgentes das pesquisas sociais em referência ao derramamento de petróleo e, principalmente, busca reduzir as exposições e minimizar os impactos na saúde”, afirma.
O projeto irá trabalhar inicialmente com estudo epidemiológico junto às comunidades expostas, “o que permitirá identificar associação entre exposição e efeitos na saúde e compor a linha de base de futuros estudos para detectar efeitos crônicos da exposição a contaminantes químicos e impactos sociais à saúde humana decorrentes deste derramamento. Também se pretende avaliar a atuação de serviços de saúde nas localidades mais atingidas, identificar demandas, estratégias e capacidade de resposta dos serviços de saúde e desenvolver ou aproximar tecnologias de prevenção a desastres semelhantes. Acompanhará o estudo epidemiológico um componente voltado para os impactos socioambientais do derramamento de óleo por meio de uma perspectiva compreensiva e participativa”, assegura.
Assim, “o estudo pretende responder parte das necessidades urgentes de pesquisa em referência ao derramamento de óleo e propor tecnologias de saúde no âmbito do cuidado individual e coletivo, com foco em reduzir exposições e minimizar o impacto à saúde, assim como preparar a rede de saúde e vigilância à saúde para futuros episódios”. Por fim, observa a pesquisadora, que, “considerando o Brasil como um importante produtor de petróleo no mundo, com expansão para a produção de óleo no mar, o investimento em pesquisa e tecnologias de prevenção e mitigação de impactos ambientais deverá constar da agenda pública no âmbito da ciência e tecnologia e das políticas públicas”.